Escrito por Virgílio Arraes no Correio da Cidadania
A decisão do governo Obama de continuar a atuação militar no Oriente Médio sem a necessária revisão do posicionamento de seu predecessor levou-o novamente a mais um desgaste, por meio da revelação, há alguns dias, de incontáveis documentos dos Estados Unidos.
O sítio wikileaks publicou dezenas de milhares de páginas relativas à documentação das duas atuais guerras estadunidenses, sendo muitas das quais de teor, a princípio, reservado para civis, haja vista que militares lotados nos dois teatros de guerra teriam acesso a elas através de consultas pela rede interna. O período estende-se de janeiro de 2004 a dezembro de 2009.
Boa parte do material refere-se a relatórios militares, em que há a preservação da memória das atividades mais importantes do cotidiano – em inglês, a sigla SIGACTS. Sua elaboração e conservação são de importância ímpar, ao servir de exemplo para outros países, como os latino-americanos, por exemplo, em que os registros de caráter polêmico desaparecem por vezes.
Reconhecida a autenticidade, é difícil precisar o valor histórico de toda a massa documental no momento, em decorrência da quantidade. Seus autores vinculam-se a distintos segmentos do governo norte-americano: militares de baixa patente, diplomatas ou espiões.
Em alguns casos, nada há de novo; apenas a confirmação de situações embaraçosas de anos à Casa Branca como o vínculo de setores da espionagem e das forças armadas do Paquistão - país com o qual Washington oficialmente alia-se no combate ao terrorismo - com a Al-Qaida no Afeganistão, especialmente na porosa fronteira entre os dois países.
A justificativa oficiosa para a inusitada e contraditória parceria seria possibilitar a formação de uma rede de influência regional no médio prazo, após o eventual retorno das tropas norte-atlânticas, o que é oficialmente negado de maneira veemente pelo governo paquistanês. Assim, a oposição ao Talibã e à Al-Qaida seria também uma guerra sua.
Por outro lado, na visão de Washington, pressionar mais Islamabade apenas reforçaria seu distanciamento do Ocidente, ao aproximá-lo de vertentes mais extremistas. Desta forma, eis o motivo da tolerância quanto à incomum característica do relacionamento dos dois.
Se os Estados Unidos têm sido condescendentes com o Paquistão, não se compreende, portanto, o posicionamento no tocante ao Afeganistão, ao ter o mesmo comportamento dúbio. Se o objetivo de um é regional e de médio prazo, o do outro é local e de curto prazo.
No entanto, sob perspectiva simbólica, os efeitos negativos sobre o governo Obama foram imediatos, ainda que no sítio não tenham sido ainda localizados trabalhos analíticos, de rubrica secreta, como na época da Guerra do Vietnã – Pentagon Papers, pormenorizado estudo de 1968 do Departamento de Defesa acerca do relacionamento amero-vietnamita entre 1945 e 1967.
Apesar de ultra-secreto, viria a público em 1971 por iniciativa do diário New York Times. Após sua veiculação, o Congresso passaria a ser mais criterioso na destinação de verbas às tropas no Vietnã; com redução financeira, inviabilizar-se-ia o andamento da confrontação. Restou ao Departamento de Defesa retirar-se de lá.
Em uma primeira avaliação, não há o descortinar de vitória na atuação dos desmotivados efetivos na Ásia. A partir de então, indaga-se a razão da permanência da Casa Branca naquela plaga, uma vez que nenhum dos objetivos da confrontação tem sido satisfatoriamente subscrito.
Assim, é possível que se reproduza o mesmo resultado da década de 70. O Capitólio, em sendo mais exigente no exame de concessão de mais verbas aos efetivos em solo afegão, poderia decisivamente contribuir para pôr fim à deplorável situação de lá, ao diminuir o financiamento do conflito.
Eis o momento propício para valorizar novamente o equilíbrio de poderes no país.
Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.
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