sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Inclusão de mulheres e desfavelização fazem de Marrocos exemplo único no IDH

Índice de desenvolvimento humano do país cresce, progressivamente, acima da média mundial, mas ainda está longe do topo do ranking


Crédito: Alberto Conti / IFAD



TIAGO MALI
da PrimaPagina

Poucos países mantiveram crescimento acima da média no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) em todas as últimas três décadas. Foram 16 dentre 82 para os quais há dados. E apenas um deles subiu acima da média das nações ao mesmo tempo em que acelerava seu crescimento. O feito, alcançado por Marrocos, é exemplo de melhoria contínua no desenvolvimento humano.

Não foi lá que o índice deu o maior salto no período (essa façanha é da China), mas só lá o aumento foi, simultaneamente, crescente e acima da média dos países. Nos anos 80, o IDH marroquino cresceu anualmente 0,91%; nos anos 90, a taxa foi de 1,19%; e, de 2000 a 2007, 1,63%. Assim, saiu de um IDH de 0,473, em 1980, para 0,654, em 2007, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2009, divulgado no mês passado pelo PNUD.

Essa expansão ainda não retirou a nação de uma posição considerada pelo PNUD de médio desenvolvimento humano — Marrocos está na 130ª posição no ranking de 182 países do IDH de 2007 —, mas gerou melhorias sensíveis na nação. A proporção de adultos alfabetizados, por exemplo, cresceu 84% ao longo das três décadas. Também houve fortes avanços na expectativa de vida, que passou de 57,7 para 71 anos no mesmo período.

Se mantiver a taxa de crescimento no IDH da década atual, o país, que já esteve entre as nações de baixo IDH, deve entrar para o grupo de alto desenvolvimento humano (IDH acima de 0,800) em 2020. Confira abaixo os fatores que fizeram com que o país, uma monarquia parlamentarista situada no Norte da África, com população predominantemente muçulmana, se destacasse na evolução de desenvolvimento humano.

Educação e gênero

Dos três componentes do IDH (educação, renda e longevidade), a educação foi o que teve maior peso no crescimento do índice marroquino, embora não tenha apresentado melhoria na década de 80. O crescimento na alfabetização (que foi de 30,3% da população para 55,6%) e na taxa de matrícula dos estudantes (de 40,5% para 61%) começou em 90, e teve como propulsor a inclusão das mulheres. O país com grande presença islâmica passou, nas últimas décadas, por alteração nos padrões de comportamento que restringiam a presença feminina em várias esferas da vida social.

O efeito direto dessa mudança foi uma aceleração na alfabetização das mulheres. Em 1982, o percentual de homens alfabetizados era mais do que o dobro (150% superior) das mulheres, de acordo com a UNESCO. Hoje, essa diferença caiu para de 59%, mas ainda é um entrave para que o analfabetismo acabe. Enquanto 68% dos homens são alfabetizados, entre as mulheres a porcentagem é 43%. “O Marrocos, assim como outras nações islâmicas, ainda apresenta distâncias brutais entre os indicadores masculinos e femininos. Esse é um grande desafio para os países árabes”, destaca Flávio Comim, coordenador do Relatório de Desenvolvimento Humano no Brasil.

“O governo do atual rei, desde 1999 no poder, adotou uma política de trazer a mulher para a esfera pública. Teve sucessivos planos visando equiparar as condições de saúde e a educação. Houve uma importante reforma do código da família que fez com que, hoje, a mulher marroquina possa pedir o divórcio, tenha o direito à metade da fortuna do marido e à guarda dos filhos. Isso tudo não era possível antes”, analisa o professor de Relações Internacionais da PUC-RJ Nizar Messari, ele próprio marroquino. Mesmo assim, uma pesquisa feita neste ano pelo jornal francês “Le Monde” e pela revista TelQel apontou que, para 49% dos marroquinos, a reforma na lei da família (que equiparou alguns direitos das mulheres aos dos homens) foi “longe demais”.

Além de um crescimento mais acentuado da alfabetização feminina, desde 1999 está em curso um “ambicioso projeto de renovação educacional apoiado pelos altos escalões do governo”, de acordo com o RDH (Relatório de Desenvolvimento Humano) do Marrocos, feito pelo PNUD em 2005. “Alguns avanços quantitativos inquestionáveis foram feitos, mas ainda resta muito a ser melhorado”, assinala o documento. Pelo engajamento do governo no tema, o Ministro da Educação marroquino chegou a receber o Prêmio de Alfabetização da UNESCO em 2006.

Crescer contra a corrente

As mudanças, entretanto, não são fruto de um crescimento planejado, opina Messari. “Assim como o Brasil e muitos países sul-americanos, o Marrocos teve uma década de 80 difícil, após a segunda crise do petróleo e o crescimento de sua dívida externa. Foi ao FMI muitas vezes, teve de refinanciar a dívida, passou por revoltas contra os planos de arrocho do governo. Economicamente, era bastante enfraquecido”, comenta. Mas o que fez, então, com que o IDH melhorasse acima dos patamares mundiais no período? “Houve uma grande política de combate à favelização nessa década. Mesmo com o arrocho, favelas começaram a ser transformadas em bairros urbanizados, com saneamento básico e serviços de saúde”, diz Messari. A hipótese do professor tem sustentação nos dados do IDH. A década de 80 concentrou as maiores taxas de crescimento anual da expectativa de vida do país (1% ao ano), indicador muito influenciado por melhorias no saneamento e na saúde em geral.

A mulher, de acordo com o RDH marroquino, também teve papel importante na evolução da saúde, o que se traduz em melhor longevidade. “A notável evolução do matrimônio e do comportamento de procriação das marroquinas, a qualidade da educação e mudanças sociais como programas de planejamento social atingiram toda a população. Hoje, o país vive o efeito de menores taxas de mortalidade infantil e fertilidade”, afirma o estudo. De acordo com o UNICEF, a mortalidade infantil caiu pela metade desde 1990, chegando a 32 óbitos a cada mil nascimentos. O índice, entretanto, ainda fica aquém de países desenvolvidos com os Estados Unidos (7 a cada mil) e em desenvolvimento, como o Brasil (20 a cada mil).

Renda

Embora o PIB per capita marroquino tenha crescido 63% de 1980 a 2007, ele continua sendo de apenas US$ 4.108, o 118º no ranking de 182 países. O crescimento nesse indicador, tal como medido no IDH, se concentrou nesta década, com um avanço anual de 2,67%. “Há uma parceria importante do país com a União Europeia, o que rende um grande fluxo de investimento externo direto aos marroquinos. Hoje, o Marrocos é o principal parceiro da organização na África. Isso se dá por conta da colonização espanhola e francesa, e de o reinado estar em uma posição geográfica estratégica [faz fronteira com a Europa pelo estreito de Gibraltar], sendo uma porta de entrada para a União Europeia”, explica Pio Penna Filho, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo especializado em África.

A mesma pesquisa do Le Monde que apontava descontentamento da população com a política de garantir mais direitos às mulheres também apontou grande aprovação em todas as outras áreas de atuação do governo. O estudo, lançado em uma revista por ocasião do aniversário de 10 anos do rei Mohammed 6º no poder, foi retirado das bancas poucos dias depois de ser publicado. Os 91% registrados de aprovação da atuação do monarca ainda podem esconder grandes desafios. “Há ainda muito por fazer. Fiquei surpreso positivamente com os indicadores do IDH, mas ainda há muito a melhorar em todas as áreas do país, que ainda tem uma população em condições sociais ruins”, salienta Messari.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Se não tiver conta no Google, opte por "Comentar como: Nome/URL", sendo que o campo URL não precisa ser preenchido.

Não serão tolerados ataques pessoais.