quarta-feira, 4 de abril de 2012

Conflito das Malvinas: memórias de um ex-combatente

As difíceis circunstâncias em que combateu os soldados britânicos durante a Guerra das Malvinas seguem na memória de Diego Leonardo Morano, então um jovem soldado do regimento de infantaria 25.

O frio, a fome, a escassez de capacetes, munições, apetrechos e a morte de colegas são alguns dos detalhes que persistem em suas lembranças depois de 30 anos desse conflito, considerado por muitos como um ardil da última ditadura militar argentina para desviar a atenção sobre a crítica situação do país.

No início da década de 1980, o modelo econômico da Junta Militar exibia evidentes mostras de esgotamento: 90 por cento da inflação anual, profunda recessão, interrupção de boa parte da atividade econômica, aumento da pobreza, brusco incremento do endividamento externo das empresas e do Estado, salário real cada vez mais depreciado, entre outros indicadores.

Numerosos elementos chave desse conflito bélico, ocorrido entre 2 de abril e 14 de junho de 1982, permanecem só na memória de seus protagonistas ou guardados em arquivos a ponto de desclassificar-se, segundo especificou a presidente Cristina Fernández.

Em entrevista exclusiva com a Prensa Latina, via correio eletrônico, o ex-combatente Morano recordou que depois da rendição das tropas argentinas, quase todo o relativo à guerra foi sepultado para a opinião pública "pelo governo militar de turno, por meio do medo imposto para a população e aos soldados".

"Diziam-nos, por exemplo, que não falássemos do que passou nas Ilhas porque nos estariam vigiando (fez uma pausa). E recordar que desapareceram 30 mil pessoas desde 1976", relembrou.

Morano, quem esteve sob as ordens do tenente Roberto Estévez, explicou que esse silêncio se manteve até que os veteranos das Malvinas começaram a lutar por seus direitos.

"Através de centros e associações começamos a contar o que realmente sucedeu, agora somos convocados para debater as Malvinas nos colégios, a tarefa que mais satisfação nos dá porque é o psicólogo grátis de todo veterano, o abraço que não recebemos quando regressamos e nos esconderam" enfatizou.

A 25 de janeiro, a chefe de Estado anunciou a pronta revelação do relatório Rattenbach sobre a estratégia militar frente ao Reino Unido na guerra das Malvinas, um documento que, segundo disse, corrobora que o conflito foi uma decisão da ditadura militar e não do povo argentino.

O relatório Rattenbach existe para nós os combatentes desde o momento em que se fez e figura no site da nossa associação "Alberto Amesgaray", ainda que saibamos que tem modificações porque a Junta Militar "o abastardou", sublinhou o veterano dessa guerra.

Agora estamos na expectativa em relação ao texto original, disse Morano, quem assegurou ter tido a honra de compartilhar a formação "ao lado de vários dos 649 heróis caídos, entre eles Guiraudo, Carrascul, Zabala, Castro, todos integrantes da seção Bote em Darwin-Pradera de Ganso, Ilhas Malvinas, ao comando de Estévez".

AS MALVINAS, UMA QUESTÃO LATINO-AMERICANA

A partir de 1833, quando o Reino Unido ocupou pela força o arquipélago, localizado a 480 quilômetros da Patagônia no Atlântico Sul, e expulsou a sua população, a Argentina começou a reclamar seus direitos soberanos sobre esse território em diversos palcos.

Ainda que desde 1965 o Comitê de Descolonização das Nações Unidas considera que nas Malvinas há uma situação colonial e deve ser resolvida de forma pacífica, a causa argentina cobrou mais apoio internacional nos últimos anos.

"As Malvinas já não são uma questão argentina, mas latino-americana" porque os governos da região "se deram conta da posição geopolítica de Reino Unido", reforçou.

"A América Latina de San Martín, Simón Bolívar, Bernardo O'Higgins, é o norte que há que seguir. "Tomara que todos os temas que afetem a América Latina possamos resolver entre nós", disse Morano.

Criticou a militarização empreendida por Londres no Atlântico Sul e no disputado arquipélago de mais de 200 ilhas e ilhotas.

O envio do destroyer HMS Dauntless, o anúncio de um submarino nuclear e a presença no enclave colonial do príncipe William, segundo na linha de sucessão à coroa britânica, que realiza um treinamento militar, atiçaram nos dois últimos meses as diferenças entre Buenos Aires e Londres.

O Dauntless é um navio Tipo 45, armado com mísseis supersônicos Sea Viper, capaz de lançar oito mísseis pelo mar ou pelo ar e destruir aviões ou mísseis em 10 segundos, ademais, tem uma metralhadora guiada por radar que pode disparar 75 tiros por segundo.

As novas tensões também estiveram abonadas por declarações do primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, quem qualificou a Argentina de "colonialista" pelas ações que desenvolve na reivindicação pela soberania sobre as Ilhas.

Para Morano o incremento da presença militar britânica no arquipélago "visa a assegurar a pesca e o petróleo" que são recursos argentinos, bem como a Antártida e uma guerra como a de 1982 não é a saída ao conflito.

"A batalha agora (nisso estamos) é sentar numa mesa com as autoridades do Reino Unido para discutir sobre as Malvinas", sublinhou.

A presidente Cristina Fernández assegurou recentemente que para vergonha do mundo existem "enclaves coloniais em dezesseis países. Um, em nossas Malvinas".

Mas agora, explicou ao referir à guerra de 1982, "os argentinos devemos ser mais inteligentes, mais compreensivos e não voltar a errar nas decisões que tomamos".

"Se nos equivocamos, os erros serão usados contra nós, como o foram as consequências do que se passou a partir de 2 de abril de 1982 "por isso seguiremos respeitando rigorosamente o direito internacional para impulsionar a defesa de nossos direitos soberanos".

Morano, sem que isso lhe fosse proposto, chegou a cumprir, com apenas 19 anos, uma das recomendações de sua mãe, quem lhe aconselhava que fosse militar, e ainda que agora veja a guerra como desnecessária, ele, como centenas de jovens, muitos recém-chegados à fase adulta, partiram convencidos de que estavam defendendo a pátria.

"Minha velha me dizia que eu tinha que ser militar, somente porque davam bom salário. Sem querer o fui, no ano 1982, como soldado às Malvinas; fui é uma forma de dizer, levaram-me", relembrou.

De todas formas, com o decorrer do tempo e sem ter possibilidade de protestar pelo ato de não me perguntar se queria ser protagonista, o sentimento Malvinas foi crescendo, concluiu.

Hoje, é o trabalho da associação que integra a cidade de General Pico, província dos Pampas, o que lhe ocupa grande espaço de sua vida pelo estigma da guerra.

*Chefe da Redação América do Sul da Prensa Latina.

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