segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Censura e o Direito Natural

por Manoel Valdemar Barbosa Filho

A censura e o direito natural da liberdade de expressão

A Constituição Federal de 1988 acabou com a censura no Brasil. Este instrumento repugnante havia sido instituído pelos generais de plantão durante a Ditadura Militar. Naquela época era proibido pensar. Quanto mais manifestar qualquer pensamento contrário ao regime de exceção. Músicas, peças teatrais, filmes e livros foram colocados sob o controle do Departamento de Censura Nacional, um órgão vinculado à polícia política.

O encarregado desta função sórdida era o censor (indivíduo investido de agente de estado, pago com dinheiro público para limitar a liberdade de pensamento e expressão).

Nas eleições 2010, este entulho autoritário insiste em voltar, através da utilização das estruturas jurisdicionais. No Paraná, as correntes políticas contrárias à liberdade de pensamento e expressão buscam o judiciário para reimplantar a censura - a censura judicial.

Esses arautos do pensamento único fundamentam a censura judicial no positivismo jurídico e a operacionalizam por meio do ativismo judicial, pois a Constituição Federal proíbe a censura prévia.

A teoria critica do Direito afirma que Direito é Política. Essa teoria afirma que a superestrutura jurídica é um instrumento de poder e dominação.

A intervenção dos juízes supõe-se a atuação de um órgão “blindado” pelas garantias constitucionais, que resguardam a sua independência em relação aos outros poderes do Estado, ou seja, alheio aos interesses em disputa e toma suas decisões observando o respeito ao direito de defesa em juízo dos envolvidos. Não é a oportunidade ou conveniência política o que guia a conduta do juiz, entretanto essa intervenção tem sido balizada por uma postura conservadora e autoritária, baseada especialmente no positivismo ou denominado juspositivismo. Este, calcado na maioria ocasional ou detentores de plantão do poder, sob a alegação de proteção de direito individual, em contraposição ao direito das gentes denominado o direito natural (o jusnaturalismo).

Um positivismo míope que não consegue valorizar o essencial do Estado de Direito, a origem do contrato social vigente, a Soberania Popular. Um positivismo submisso às questões de menor importância em detrimento dos direitos naturais fundamentais. Um positivismo autoritário que nega ao eleitor informações essenciais para o exercício da cidadania. Para Bobbio (Positivismo Jurídico, 2006, p. 26), "por obra do positivismo jurídico ocorre a redução de todo o direito a direito positivo, e o direito natural é excluído da categoria do direito: o direito positivo é direito, o direito natural não é direito. (…) O positivismo jurídico é aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo".

A linha divisória entre a Justiça e a Política não é fixa, nem nítida. A Justiça real, segundo a teoria critica do Direito, não é neutra. Durante os regimes autoritários, os tribunais, como instrumentos do status quo (ordem vigente), garantiram a exceção, inclusive a violação da Constituição Federal (os habeas corpus de Sobral Pinto em favor dos presos políticos nos remetem a esse período nefasto da História do Brasil). Na Alemanha Nazista aconteceu o mesmo (Hannah Arendt deu seu testemunho em suas obras). A História é repleta de exemplos nefastos.

O ativismo jurídico, segundo o jurista Luiz Roberto Barroso, “se constitui na participação mais ampla e mais intensa do Judiciário na concretização dos fins e valores constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”. Entretanto, quando empregado em desfavor da cidadania leva-nos aos desastres autoritários.

É preciso saber sopesar os princípios, é preciso ver o todo. É preciso haver auto-coação judicial (conduta pela qual o Judiciário procura reduzir a sua interferência nos poderes Executivo e Legislativo). Não ultrapassar a fronteira das suas atribuições constitucionais. Não normatizar, não produzir textos legais, cuja atribuição pertence a outro poder. O jurista afirma que “Direito não é política no sentido de admitir escolhas livres, tendenciosas ou partidarizadas. O facciosismo é o grande inimigo do constitucionalismo.”

A volta da censura estatuída pelas instâncias do aparelho estatal - neste caso o Judiciário - contrasta com os marcos constitucionais, que devem ser considerados pela finalidade com que são instituídos. E a liberdade de expressão consiste em assegurar às pessoas a possibilidade de estar suficientemente informadas para opinar e exercer seus direitos a respeito de questões que acontecem na sociedade em um dado momento. Ela tutela a livre difusão de idéias como conceito essencial. Esse direito é inerente a todo o cidadão, e não exclusivo dos titulares ou permissionários dos meios de comunicação.

O exercício do direito da liberdade de expressão tem como parâmetro para julgamento o Pacto de San José. Desde 1969, o Brasil é subscritor da CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, conhecida como Pacto de San José de Costa Rica, que garante a liberdade de pensamento e expressão:

“Artigo 13º - Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:
a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

5. “A lei deve proibir toda a propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.”

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabeleceu que liberdade de expressão é um direito natural, que faz parte dos direitos relacionados como direitos fundamentais. Na cultura jurídica mais moderna o positivismo jurídico recuou, mas não está totalmente vencido. O jusnaturalismo afirma que existem direitos que valem como tal, sem terem sido estabelecidos por nenhuma fonte de autoridade humana.

O direito à liberdade de pensamento e expressão é um deles.

Manoel Valdemar Barbosa Filho, advogado

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