segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Presidente do Conselho Nacional de Saúde: “Gestão do Serra foi marcada por autoritarismo, denúncias e desrespeito”

Nessa semana estamos apresentando os melhores momento de uma entrevista com Francisco Batista Júnior, presidente do Conselho Nacional de Saúde. Nessa parte ele revela, na sua opinião, como foi a gestão do ministro da Saúde, José Serra. Francisco Júnior fala sobre o relacionamento do ex-ministro com os trabalhadores. "Ele foi o responsável pela precarização do trabalho em saúde".

E comenta, também, de casos como o surto de dengue e a propaganda eleitoral do candidato José Serra que o classifica, como o melhor ministro da Saúde do Mundo: "Uma gestão marcada por graves denuncias de corrupção, pela desestruturação do SUS, pelo desrespeito e autoritarismo no Conselho Nacional de Saúde e uma gestão marcada pela precarização do trabalho. Como uma gestão como essa é mostrada como vitoriosa? A gente não consegue entender"

Abaixo selecionamos os principais trechos da entrevista:

Qual era a relação do ministro Serra com os trabalhadores?
A gestão do Serra teve como principal característica a precarização do trabalho de forma absolutamente ampla e abrangente. Um dos instrumentos que possibilitou isso foi um decreto do presidente Fernando Henrique, em 1997, que regulamentou a terceirização do serviço público. A gestão do Serra tem a marca do inicio da entrega dos serviços de saúde para as organizações sociais (OSCIPs), com repercussão direta nos trabalhadores também. Foi violentamente solapado o principio constitucional que estabelece que para trabalhar no serviço publique tem que ser concursado.

As OSCIPs contratam o que querem da forma que querem. É isso que está acontecendo em São Paulo e no plano nacional foi o que ocorreu na gestão dele. Além disso houve um achatamento brutal de salário. Foi um período muito duro, muito difícil realmente para quem trabalha em saúde.

Qual a sua opinião sobre os multirões de saúde?
Multirões que não resolviam os grandes gargalos que estavam na raiz das pendências, das demandas colocadas. Mutirões que atendiam pontualmente parcelas significativas de uma população, é verdade. Mas atendiam muitos mais interesses privados de corporações e de serviços privados.

Nós não vimos na gestão do Serra políticas que pudessem ser entendidas como políticas estruturantes e com políticas que buscassem o atendimento integral. Porque para viabilizar o SUS tem que pensar dessa forma. Você tem que pensar em propostas estruturantes e pensar na forma de implementar essas propostas estruturantes, de maneira a viabilizar a integralidade da atenção.

Como eram realizados esses multirões? Você recorda?
Ele contratava serviços privados e profissionais privados. Então no mutirão eles fizeram a festa das grandes corporações médicas. Fizeram a festa dos grandes serviços privados. Nossa, mutirão era ... até hoje eles reivindicam isso. Até hoje eles defendem que isso venha a acontecer. Nó somos contra! Até em situações que exijam uma atuação emergencial, vá lá. Mas fazer como foi uma bandeira da gestão do Serra é terrível. Esquecendo de dar conta das demandas estruturais não tem sentido.
Não adianta você ficar fazendo periodicamente cirurgias de catarata, por exemplo, se você não tem na rede de atenção básica ou na rede de referência, na rede hierarquizada, serviços que permitam diagnosticar com a devida antecedência junto à população problemas que possam, num segundo momento, determinar a catarata. Os multirões, na verdade, são um grande fato que a mídia cobria com grande ênfase, com grande estardalhaço. A parcela da população que era beneficiada agradecia a Deus e tratava Serra como um deus pelo fato de ter acesso aquela possibilidade, mas os grandes gargalos estruturantes continuavam se acumulando.

Outro caso emblemático na gestão do Serra foi o surto de dengue. Acompanhou esse episódio?
Sim, lembro. Veja bem, nós não temos nenhuma intenção de defender aquilo que de alguma maneira é contestado judicialmente, nós não temos a intenção de defender a ilegalidade. Eu to dizendo isso por que o discurso feito na época é de que a demissão atendia a uma decisão judicial.
Naquele momento o Ministério da Saúde tinha um entendimento de que a demissão daqueles mata-mosquitos poderia significar implicação direta na população que até então era atendida por eles, inclusive com possibilidade de risco de morte. Por que é que o Serra, no mínimo, não argumentou junto ao judiciário: vem cá, tudo bem, uma coisa é a legalidade, outra coisa é o que a gente tem de imediato agora. Nós temos a população e tem que ser atendida. Então vamos fazer um acordo, vamos fazer um Termo de Ajustamento de Conduta: eu vou substituir paulatinamente os mata-mosquito que hoje a população necessita, por exemplo.

Isso parece que não foi analisado. Isso não foi feito. E se não foi feito, de duas uma: ou por quê não havia esse entendimento dos riscos que significavam, na época, a demissão dos trabalhadores por parte do Ministério da Saúde, e isso é profundamente lamentável, é incompetência. Ou então, mais grave ainda: o Ministério da Saúde sabia que aquele risco acontecia e mesmo assim optou por demitir todos eles. O que significa irresponsabilidade.

Para você essa campanha que está sendo feita de que Serra é o melhor ministro da saúde, é falsa?
Absolutamente falaciosa. O Serra soube captalizar na grande mídia de forma muito competente ações pontuais que realmente colocou em prática, como medicamento genérico, como as grandes campanhas de cirurgias pontuais. Agora, como gestão como um todo foi um desastre. Desvirtuando a CPMF, desrespeitando total e absolutamente o controle social, absolutamente antidemocrático, sem estruturar a rede como deveria estruturar, precarizando e privatizando a gestão do SUS em todo o país.
Mas greve ainda, com denuncias de corrupção gravíssimas que infelizmente não tiveram a repercussão que deveriam ter como foram os casos das máfias das ambulâncias, onde o Serra apareceu inclusive entregando ambulâncias para essa máfia. Como uma gestão como essa é mostrada como vitoriosa? A gente não consegue entender de jeito nenhum.

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