segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Qualquer semelhança não é mera coincidência

Escrito por Frei Betto para o Correio da Cidadania

O Brasil ainda tem muito a conquistar nos quesitos saúde, educação, saneamento, moradia, segurança e infra-estrutura (rodovias, portos e aeroportos). É um gigante de pés de barro. Contudo, nossa democracia se aprimora graças aos movimentos sociais, à mídia vigilante, à exigência de transparência e adoção de leis como a Ficha Limpa.

Algo de novo marca a atual disputa presidencial. Os quatro candidatos com melhor posição nas pesquisas têm em comum muito mais do que julga o nosso vão preconceito. Nenhum deles procede das tradicionais oligarquias que se acostumaram a fazer na vida pública o que fazem na privada. Nem pertencem à elite brasileira ou nasceram em berço esplêndido. Os quatro se originaram na classe pobre ou média.

Todos abominam a ditadura militar, o conservadorismo e tiveram na esquerda sua iniciação política. Três foram vítimas da ditadura: Plínio (cassado e exilado); Serra (exilado) e Dilma (presa e torturada). Marina, alfabetizada aos 16 anos, sofreu a opressão do latifúndio amazônico. Filha do seringal e discípula de Chico Mendes, viu-se obrigada a se "exilar" da floresta para livrar-se da pobreza e da falta de escolaridade.

Os programas de Dilma, Serra e Marina têm mais pontos em comum do que diferenças. A exceção é Plínio, que não se envergonha de defender o socialismo. O PSOL vale-se do período eleitoral para divulgar suas propostas e se afirmar como partido. Isso oxigena o debate democrático.

Dilma, Serra e Marina se irmanam na arte de se equilibrar na corda bamba. Evitam tombar à esquerda ou à direita e adotam discurso que não desagrada nem um nem outro. Assim, a distância entre oposição e situação quase se anula e permite a Lula, que faz um bom governo, manter-se na confortável posição de quase unanimidade nacional. E a Henrique Meirelles despontar como o nosso Alan Greenspan, que ficou quase 20 anos à frente do Banco Central dos EUA.

Embora discurso de campanha seja como produto de feira livre – não passa recibo – e os quatro candidatos apareçam envoltos numa aura de confiabilidade, o problema reside no andar de baixo. Ao contrário do ditado, o andor é de barro e não o santo. Dilma ou Serra terão de governar sob pressão dos últimos redutos da oligarquia, o PMDB e o DEM, alvos de freqüentes denúncias de corrupção, nepotismo e outras maracutaias.

Marina, como já declarou, tentará suprir sua falta de alianças com um governo supostamente suprapartidário. O que, aliás, fez de fato o governo Lula, a ponto de merecer o apoio de Collor, Sarney, Renan Calheiros, Jader Barbalho, Roberto Jefferson e José Roberto Arruda. Plínio, realista, sabe que a chance presidencial do PSOL é ainda um projeto de futuro.

Algo de comum entre os quatro chama a atenção: o silêncio frente à corrupção que assola a política brasileira. Os quatro são éticos, fichas limpas. Mas Dilma, Serra ou Marina, quem for eleito, terá de quebrar ovos para fazer a omelete. Ou fazer de conta que, neste reino tupiniquim, que não se parece à Dinamarca, nada há de podre.

Quem vencer, verá.

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