sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

CHILE: ENTRE O FIM DA CONCERTAÇÃO E O NEOPINOCHETISMO

por Emir Sader

O Chile foi o único país, dos que tiveram ditaduras militares no cone
sul, em que as forças da ditadura se reciclaram para um partido
político, reivindicaram o período ditatorial e se constituíram em
força quase majoritária, no período democrático. Em todas as eleições,
o bloco de partidos neopichetista sempre conseguiu proporção alta de
votos, em duas vezes foi derrotado por menos de 5 % dos votos no
segundo turno.

A oposição à ditadura, depois da derrota das organizações
clandestinas – MIR, Movimento de Esquerda Revolucionaria, e Frente
Manoel Rodriguez – foi liderada pela aliança entre os partidos
Democrata Cristão e Socialista, antes inimigos, porque este o partido
de Allende e aquele, o Eduardo Frei Montalva, que pregava o golpe
militar. Para isso teve que romper sua aliança histórica com o Partido
Comunista e organizar a chamada Concertação, com o Partido Democrata
Cristão, em consonância com o fenômeno interncional de reciclagem de
Partido Socialistas e Social Democratas para o neoliberalismo.

Dessa forma, quando Pinochet perdeu o referendo que ele mesmo havia
convocado, em 1988, sobre sua reeleição, dois anos depois a
Concertação conseguiu eleger a um democrata-cristão, Patricio Alwin –
ex-dirigente radical contra o governo de Allende, como presidente do
seu partido -, o primeiro presidente civil desde o golpe militar de
1973. A Concertação manteve a política econômica da ditadura militar,
que havia conquistado o apoio do grande empresariado chileno, baseado
em uma política de abertura econômica, de um modelo
primário-exportador de um Tratado de Livre Comércio – que um governo
posterior da Concertação, então já presidido por um socialista,
Ricardo Lagos, assinou com os EUA, o que impede o Chile de participar
do Mercosul - entre outras conseqüências. Tratou de amainar os duros
efeitos sociais da ditadura pinochetista, que tinham levado o Chile de
um dos países menos desiguais do continente a um dos mais desiguais.
No entanto, manteve as políticas de livre comércio, no marco do
neoliberalismo implementado por Pinochet.

Depois de Alwyn, foi eleito Eduardo Frei Ruiz Tagle – filho do
ex-presidente Eduardo Frei Montalva -, até que os socialistas elegeram
os dois presidentes seguintes do Chile – Ricardo Lagos e Michelle
Bachelet -, sem que se operasse qualquer mudança substancial na
política implementada até ali por presidentes democrata-cristãos.
Quando se elegeu Bachelet, da mesma forma que seu antecessor, por
margem muito estreita sobre o candidato das forças neopinochetistas,
ela sofreu um grande desgaste ao implementar uma plano que pretendia
transformar radicalmente o transporte urbano de Santiago
simultaneamente, em um único dia, plano herdado do seu antecessor. Os
resultados foram catastróficos, durante muitos meses, ao que se
somaram mobilizações dos estudantes secundários, dos pequenos
produtores mineiros e dos povos mapuches, fazendo com que o prestigio
da presidente descesse a níveis muito baixos.

Aos poucos, apesar de ter um ministro da economia do estilo Chicago
boy, conforme chegou a crise internacional, Bachelet foi recuperando
apoio, ao implementar medidas compensatórias diante dos efeitos
sociais mais graves da crise, como um correção parcial da privatização
da Previdência e bônus para os setores mais afetados, até que termina
seu mandato com um índice de apoio similar ao de Lula.

No entanto, a sucessão se apresentava difícil, dado que a Concertação
nunca conseguiu impor à direita neopinochetista uma grande derrota –
um dos seus maiores fracassos politicos -, reaparecendo novamente
Sebastien Piñera como forte candidato a sucedê-la. Piñera é das
maiores fortunas do país, enriquecido durante a ditadura de Pinochet,
quando seu irmão e sócio, José Piñera, ex-Ministro do Trabalho da
ditadura, implementou a malfadada “flexibilização laboral”, pela
primeira vez no continente. O grupo Piñera, entre outras grandes
empresas chilenas agressivamente expansivas no Chile e no exterior, é
proprietário da Lan Chile (assim como da Lan Peru e fez oferta para
comprar a Varig, antes da Gol arrematá-la), além do Colo-Colo (mesmo
torcendo para outro time, comprou a maior parte das ações de equipe
mais popular do Chile) e de um canal de TV.

Com Piñera favorito, a Concertação acreditou que tinha que apelar
para um candidato com uma imagem mais moderada do que um socialista e
chamou o ex-presidente Eduardo Frei Ruiz Tagle para candidato. Como
resultado desse passo audaz e timorato, saíram do Partido Socialista
três outras candidaturas, revelando o descontentamento com a posição
da direção do Partido. Entre elas, um ex-ministro de Allende, Jorge
Arrate, apoiado pelo Partido Comunista, e Marco Enriquez-Ominami,
filho biológico do dirigente máximo do MIR, Miguel Enriquez, de um
namoro com uma jornalista, que foi adotado posteriormente por quem se
casou com esta, Carlos Ominami, ex-militante expulso do MIR por ter se
asilado, que passou ao PS, onde foi ministro neoliberal da economia.
Enquanto Arrate acabou tendo pouco mais de 6% dos votos, Marco chegou
a 20%, com uma imagem renovado, uma espécie de terceira via, muito
contemplada pelos espaços na imprensa (praticamente toda ela de
direita no Chile), na crença de que roubaria votos da Concertação.

No primeiro turno, Piñera obteve 44% contra um pouco menos de 30% de
Frei. Aquele tem sido o resultado histórico da direita. A diferença é
que, desta vez, o candidato da Concertação tem, de longe, o pior
resultado de um candidato dessa coalizão e não pode contar com muita
transferência de votos – as pesquisas acrescentam uns 3% de outros
candidatos. Isto é, nem sequer a decisão do PC e de Arrate de apóia-lo
no segundo turno, tem permitido que os votos obtidos por eles sejam
canalizados para Frei no segundo turno. Menos ainda os de
Enriquez-Ominani, que liberou seus eleitores.

Assim, se avizinha, ao que tudo indica, um retorno da direita ao
governo no Chile, como um dos resultados das políticas da Concertação,
de conciliação com o modelo herdado de Pinochet, sem sequer ter
convocado uma Assembléia Constituinte para permitir que o Chile tenha
uma Constituição democrática e não um remendo daquela imposta pela
ditadura, nem tampouco ter conseguido um apoio popular muito amplo, de
tal forma que grande setores de origem pobre votam pelo candidato
neopinochetista. Quatro mandatos – em um total de vinte anos – de
candidatos da Concertação, dois dos quais presididos por socialistas
chilenos, desembocam, provavelmente, em um fracasso e na devolução do
governo ao (neo)pinochetismo, sem ter rompido com o modelo econômico e
sem ter conseguido desarticular a direita originária da ditadura
militar. O Chile, exibido pelas instituições financeiras
internacionais como o modelo supostamente bem logrado de implementação
das políticas de livre mercado, volta às mãos dos que a formularam e a
implementaram durante a ditadura pinochetista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Se não tiver conta no Google, opte por "Comentar como: Nome/URL", sendo que o campo URL não precisa ser preenchido.

Não serão tolerados ataques pessoais.