terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O tráfico salvou o interbancário

por Wálter Fanganiello Maierovitch

Todo fim de ano faço para CartaCapital um apanhado sobre o fenômeno das drogas ilícitas. Esse fenômeno, como sempre chamo a atenção, é utilizado para encobrir, sob o falso rótulo de ?guerra às drogas?, interesses geoeconômicos, geopolíticos e geoestratégicos de potências imperialistas e de Estados com governos a elas subservientes, como sucede, por exemplo, na Colômbia de Álvaro Uribe.

Neste ano, alguns fatos novos chamaram a atenção para esse mercado de muitas drogas proibidas, de menos de 10% das apreensões policiais e que continua a movimentar no sistema bancário-financeiro internacional, por baixo, cerca de 300 bilhões de dólares ao ano.

Com efeito, o ?setor de serviços? da máfia balcânica, responsável pelo envio e armazenamento da cocaína andina na Europa, passou a ser quase hegemônico, graças a diferentes estratégias, estrutura e método. A máfia balcânica desbancou as espanholas que, até 2007, imperavam no transporte e na oferta da cocaína, considerada a rainha das drogas.

O fato de a Sérvia ter ficado sem saída para o mar, em face da independência de Montenegro, após consulta popular em maio de 2006, em nada afetou os negócios e os lucros, pois esta referida organização criminosa balcânica é também chamada, tanto pela mescla como pelas origens dos chefes e dos membros, de máfia sérvio-montenegrina. Por evidente, atua sem fronteiras e logrou cooptar políticos de peso.

Ao contrário do que ocorria com as organizações criminosas espanholas, a máfia balcânica assume sozinha o custo e o risco do transporte da cocaína adquirida na América Latina. No caso de apreensão policial, o prejuízo fica por conta dela. E dominou o mercado europeu por não trabalhar mais sob encomenda. Não há mais divisão de riscos. Para se ter ideia, a N?Drangheta calabresa compra cocaína diretamente dos entrepostos da máfia sérvio-montenegrina, ou seja, não mais encomenda partidas de cocaína nem partilha o risco no caso de apreensão policial ou perda do produto durante o transporte por mar e ar.

Um exemplo ajuda a esclarecer. Em 15 de outubro, na cidade uruguaia de Santiago Vázquez, foi realizada a maior apreensão de drogas deste ano, ou seja, mais de 2,5 toneladas de cocaína pura. A droga estava no iate Maui, de bandeira britânica e tripulação só de sérvios e montenegrinos. A rota marítima principal utilizada pela máfia balcânica é a seguinte: Uruguai (ou Argentina), África do Sul e Montenegro. Diversa é a rota aérea: Colômbia, África Central, Turquia e Montenegro.

Com mil narcossoldados treinados, a máfia balcânica é composta de 45 células, vende cocaína a 35 mil euros o quilo, sem espera e tirada do estoque. A concorrência espanhola, com risco de divisão de prejuízos, oferece por 40 mil euros, pagos antecipadamente e com prazo de entrega.

Como se estivessem em guerra, os narcossoldados sérvios estão equipados e preparados para enfrentar qualquer força de ordem, conforme um reservado dossiê dos 007 da Soca, a agência britânica anticrime organizado. Com táticas especiais, meios e sistemas, os narcossoldados conseguem proteger as células territoriais e seus depósitos. No particular, seguem os modelos introduzidos pelos cartéis mexicanos Los Zetas e do Golfo. Os Zetas foram adestrados por militares norte-americanos de elite e travam guerra com o cartel La Familia Michoacana, também militarizada, e de controle do tráfico pelo Golfo da Califórnia, a partir dos estados de Michoacán e Guerrero.

Com oferta estabilizada e demanda crescente, observado que o tráfico e o mercado de heroína (droga decadente) operam de forma diversa ao da cocaína e das drogas sintéticas, não pode ser desprezada a revelação do responsável pelo escritório da agência antidrogas e anticrime das Nações Unidas, dirigida desde 2002 por Antonio Costa, um burocrata e sabujo de Bush saído dos quadros de funcionários de carreira das Nações Unidas, proveniente da área econômica. Segundo Costa declarou ao britânico The Observer, milhões e milhões de dólares provenientes do mercado ilegal de drogas, nestes tempos bicudos de crise, circularam pelo sistema financeiro: ?Os proventos da criminalidade internacional foram para os bancos, em muitos momentos, o único capital de investimento líquido (em papel-moeda) disponível?.

Depois da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, o mercado interbancário (pelo qual as instituições se abastecem reciprocamente) minguou. Aí entraram os 300 bilhões de dólares, justamente o dinheiro movimentado pela droga, afirmou o italiano Costa.

Sobre os nomes dos bancos beneficiados, Costa os guarda em segredo, inclusive para conseguir ficar mais tempo no cargo, agora que não conta mais com o apoio de Bush.

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