segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Apoio ao Estado mobiliza mais de um milhão na Palestina

Manifestações ultrapassaram em 100% nossas expectativas, declarou Abdallah Abu Rahmah, coordenador nacional das mobilizações populares. “Tivemos a adesão de mais da metade da população da Cisjordânia. Não houve nenhum incidente. Já em Gaza, o Hamas não permitiu nenhum tipo de ação. Eles participaram do começo da campanha, mas desistiram nas últimas semanas.” Em Tel Aviv, apoiadores da causa palestina, entre eles o escritor Amos Oz, fizeram vigília cívica pela paz. A reportagem é de Baby Siqueira Abrão, direto de Ramallah. A coordenação da campanha nacional “Palestine: State 194” calcula que mais de um milhão de pessoas reuniu-se ontem, no centro das 10 regiões distritais palestinas, para demonstrar aprovação ao pleito que Mahmoud Abbas, presidente da OLP, apresentará à 66ª. Assembleia Geral da ONU na sexta-feira, dia 23.


Essa demonstração de apoio é confirmada por uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Harry S. Truman e pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Divulgada no dia 21, ela aponta que 83% dos palestinos apoiam a reivindicação à ONU, confirmando outro levantamento, do Instituto Near East Consulting, de Ramallah, segundo o qual essa porcentagem é de 84%. Entre os israelenses, 69% querem que o governo aceite a decisão da ONU.

A disposição dos palestinos contrastou com o marasmo das últimas semanas. Nesse período, a conversa girou em torno de assuntos nada agradáveis: a ocupação, que se manteria mesmo com o reconhecimento do Estado palestino na ONU; de um possível aumento da repressão por parte do governo israelense quando a Assembleia terminar; da ilegitimidade do governo da Autoridade Nacional Palestina (ANP), cujo mandato expirou em 25 de janeiro de 2010; de acusações sobre “corrupção” dentro da ANP e da falta de liberdade que caracteriza a vida dos palestinos.

O desânimo, porém, começou a ser substituído pelo entusiasmo poucos dias antes das manifestações de ontem. No dia 20, uma enorme cadeira de madeira pintada de azul – referência ao assento que a Palestina deveria ocupar na ONU –, colocada em Al-Manara, a praça central de Ramallah, atraía moradores, ativistas e turistas, que se deixavam filmar e fotografar em frente a ela. Um restaurante local preparou uma pizza retangular com as cores da bandeira palestina, usando produtos locais (zata, queijo branco, hortelã, tomates) e a levou à praça, chamando a atenção de transeuntes e motoristas. Grupos se reuniam em diversos pontos da Al-Manara, discutindo prós e contras da ida à ONU. E no início da noite uma carreata saiu da Al-Muqata, a sede do governo, e foi até a praça Yasser Arafat, recentemente reformada, sob aplausos e gritos de vitória.

No dia 21, as vans de sete lugares que fazem as vezes de ônibus chegaram a Ramallah lotadas, trazendo moradores das vilas próximas. O trânsito complicou-se em consequência do número de pessoas que se dirigia a pé até a Yasser Arafat, perto da Al-Manara. E eram tantas que, além de tomar toda a praça, espalharam-se pelas várias ruas que desembocam nela. Nos prédios baixos do entorno, moradores, cinegrafistas e fotógrafos disputavam espaço nas sacadas dos apartamentos e nos terraços do último andar. Um palco enorme foi montado para receber oradores e autoridades, e outros, menores, colocados à frente e nas laterais do centro da praça, serviam à mídia.

Bandeirinhas palestinas enfeitavam o cenário, cruzando a praça pelo ar, como os nossos coloridos enfeites das festas juninas. Vendedores de falafel, sucos e os ambulantes que vendem chás, usando roupas típicas, trabalhavam sem descanso. Muçulmanas com seus vestidões e hijabs, mulheres em trajes ocidentais, pessoas de todas as idades carregando bandeiras e cartazes saudando o “Estado 194” sorriam e posavam para a mídia internacional. Chamava a atenção a presença de jovens, caras pintadas com o número 194 e bandeiras palestinas.

“Estou muito animada”, afirmou Tara Shtayyeh, 12 anos, ainda vestida com o uniforme escolar. “Finalmente vamos ter um Estado. Tenho certeza de que a Assembleia da ONU votará a nosso favor.”

E o veto dos Estados Unidos?
“E o que a gente poderia esperar deles a não ser essa oposição sem sentido, não é mesmo? Tudo bem, em 2012 tentaremos de novo a aceitação como membro pleno.”

Ao lado dela, Mohammad Mimi, também de 12 anos, com o mesmo uniforme escolar, aprovava as declarações com gestos de cabeça. “É uma questão de estratégia”, comentou, muito sério. “Vamos conseguir o Estado, e isso é o mais importante. O resto vem com o tempo.”

Os dois preferem a solução do Estado único, como a maioria dos palestinos, mas sabem que ainda não chegou a hora. “Primeiro é preciso tirar os sionistas do governo de Israel”, continuou Mohammad, ainda sério. “Porque são eles que não querem que a gente seja livre.”

Ele só sorri diante da pergunta sobre o término da ocupação da Palestina. “Ah, isso vai demorar muito!” Fica sério outra vez. “Será uma batalha difícil, mas que tem de ser feita.”

Tara concorda com ele: “Difícil e longa. Acho que, se trabalharmos direito, a ocupação termina quando formos adultos.”

A consciência política e o realismo quanto ao fim da ocupação são comuns nos jovens palestinos. Eles crescem ouvindo a conversa dos adultos sobre esses temas e participam delas. Os pais os estimulam. E desde muito cedo vão às passeatas e manifestações contra o muro, as colônias e a ocupação. Primeiro, no colo dos pais. Depois, em grupos de amigos. Como aqueles que estavam na praça Yasser Arafat ontem, gritando palavras de ordem, empunhando bandeiras, cantando hinos de libertação. Todos na faixa etária de Tara e Mahmmoud, ou um pouco mais velhos.

Também chamava a atenção a animação das meninas, puxando os slogans repetidos pelos grupos. Sobrancelhas franzidas, expressão desafiadora, punhos para o alto, elas gritavam, sem precisar de autofalante, as frases que ressoavam pela praça e que em português perdem a rima e a graça: “Do rio [Jordão] até o mar [Mediterrâneo]/ a Palestina será livre”; “Um, dois, três, quatro/ ocupação nunca mais/ cinco, seis, sete, oito/ chega de mortes, chega de ódio”.

Funcionário da ANP, Sameer Hejazi garantia que palestinos e israelenses, muçulmanos, judeus, cristãos e ateus são capazes de conviver num único país. “Foi assim durante milênios, antes de os sionistas inventarem Israel. Pode voltar a ser”, dizia, confiante. E confessava seu sonho de um dia postular a presidência de uma Palestina livre.

Diplomático, evitava fazer críticas diretas a Barack Obama. Preferia contar que faz parte de um grupo de direitos humanos que há 14 meses escreveu ao presidente dos Estados Unidos sobre a necessidade de liberdade dos palestinos. “Ele respondeu a nossa carta. Disse que esperava que em setembro de 2011 fôssemos membros da ONU.” Dá um sorriso irônico. “Mas parece que mudou de ideia.”

À sombra de um pequeno prédio, o soldado Ali, da polícia palestina, observava o movimento. “Tudo tranquilo”, comentou. “Nenhum incidente, nem mesmo de pessoas passando mal.” Fato comum no cotidiano de um povo acostumado ao calor intenso do verão, que hoje passou dos 30 graus.
Das 11h até 13h, aproximadamente, as pessoas permaneceram na praça. Mas, à medida que os discursos mudaram de voz – os primeiros foram feitos por jovens animados, substituídos mais tarde pela retórica das autoridades locais – e tornaram-se longos, com o nome de Abu Mazen (Abbas) pronunciado a cada sentença, a multidão foi se dispersando. Talvez um sinal de que, para a maioria, a política palestina precisa de renovação urgente.

Problemas só aconteceram no checkpoint de Qalandiya, entre Ramallah e Jerusalém, mas a ação ali não fazia parte da programação da campanha nacional. Foi em Qalandiya que o exército israelense testou suas novas armas de dispersão de multidões. Uma delas, “O grito”, é um equipamento acústico que leva as pessoas a perder o equilíbrio e cair, além de causar tontura e náuseas. Uma exposição demorada ao som, capaz de ultrapassar a barreira dos tapa-ouvidos, provoca danos ao aparelho auditivo. Outra arma foi uma nova composição química das bombas de gás, cuja inalação causa desmaio imediato.

Apesar de preocupados com as novas armas, os coordenadores da campanha “Palestine: State 194” não escondiam a euforia. Reunidos até tarde da noite de ontem, eles fizeram o balanço das manifestações. “Todas ultrapassaram em 100% nossas expectativas”, declarou Abdallah Abu Rahmah, coordenador nacional das mobilizações populares. “Tivemos a adesão de mais da metade da população da Cisjordânia. Não houve nenhum incidente. Já em Gaza, o Hamas não permitiu nenhum tipo de ação. Eles participaram do começo da campanha, mas desistiram nas últimas semanas.”

Dia 23, às 18h, estão previstas novas mobilizações. A população palestina foi convidada a assistir o discurso de Mahmoud Abbas na ONU em telões colocados nas mesmas praças onde ocorreram as manifestações de ontem.

Em Israel, colonos versus pacifistas
Os colonos tinham prometido entrar nas cidades, mas não conseguiram chegar até elas. Ficaram nos checkpoints e nas estradas, atirando pedras nos carros, tentando detê-los. Estavam armados.

Nas vilas, porém, atearam fogo a plantações, cortaram cerca de 500 oliveiras e fizeram ameaças aos moradores, como vem acontecendo diariamente nos últimos meses. No boulevard Rotschild, em Tel Aviv, marcharam aos gritos de “A terra de Israel para o povo de Israel”.

Jovens moradores das colônias de Itamar, em Nablus, e Bet El, em Ramallah, também fizeram passeatas, com o objetivo de “transmitir a mensagem de que essa terra pertenceu, pertence e pertencerá a Israel”, segundo informou um dos participantes ao site do diário Yediot Aharonot. Manifestações como essas ocorrerão nos próximos dias.

Também nos próximos dias, Israel verá outro tipo de ação. Pacifistas e apoiadores de causa palestina, que ontem à noite, em Tel Aviv, fizeram vigília cívica pela paz, programaram para hoje, às 17h, uma manifestação com a participação de artistas, escritores e acadêmicos. Entre eles, Amos Oz, escritor israelense conhecido internacionalmente. Logo depois, às 18h, palestinos e israelenses celebrarão juntos a “independência” da Palestina no Clube Ortodoxo, em Beit Jala, na Cisjordânia.

No dia 23, ao meio-dia, militantes ligados à organização israelense Peace Now estarão nos principais cruzamentos de Israel distribuindo folhetos aos motoristas, defendendo o Estado da Palestina. Eles carregarão cartazes com as frases “Israel diz sim ao Estado palestino” e “Netanyhau e Lieberman não falam por mim” (referência ao primeiro ministro e ao titular da pasta das Relações Exteriores, representantes da extrema direita de Israel).

Mais práticos, os rabinos da organização judaica Neturei Karta, que defendem o fim de Israel, preferiram participar da manifestação em Nablus. Cerca de 30 deles estiveram presentes na cidade palestina. O porta-voz foi direto: “Os palestinos têm todos os direitos na terra ocupada por Israel. E Jerusalém é a capital da Palestina. O sionismo é inimigo de Deus e do povo”.

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