quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Argentina julga Jorge Rafael Videla por crimes da ditadura

Após seis meses de audiências e décadas de espera, a Argentina deverá conhecer, nesta quarta-feira (22/12), o veredito do julgamento oral e público de Jorge Rafael Videla, primeiro presidente da ditadura cívico militar do país, que deixou um saldo estimado de 30 mil mortos e desaparecidos, entre 1976 e 1983.

Opera Mundi

Desde julho deste ano, o ex-general está sendo julgado ao lado de 30 militares e policiais, por assassinatos e torturas na Unidade Penitenciária No 1 (UP1) de Córdoba, crimes cometidos entre abril e outubro de 1976. Um dos destaques do banco de réus é Luciano Benjamín Menéndez, então chefe do Terceiro Corpo do Exército, que comandava as atividades militares de dez províncias do noroeste argentino.

Pela primeira vez, um julgamento de crimes cometidos durante a ditadura reúne tamanha quantidade de acusados, uma das razões pelas quais as organizações de direitos humanos definem esta sentença como um “momento histórico” da luta pela aplicação da justiça aos envolvidos nos crimes cometidos durante a ditadura.

“A imagem inicial deste julgamento foi muito forte, com uma grande quantidade de pessoas no banco dos réus, com Videla na primeira fila. Dos julgamentos atuais, este é o maior do país e o primeiro que conta com a presença do repressor”, afirmou ao Opera Mundi Martín Notarfrancesco, o porta-voz de causas judiciais da organização H.I.J.O.S. (Filhos pela Identidade e Justiça, contra o esquecimento e o silêncio).

Nesta terça-feira (21/12), os acusados terão direito a dar sua última palavra e na quarta-feira (22/12), receberão a sentença. Este será o primeiro veredito escutado por Videla desde 1985, no Julgamento das Juntas Militares que governaram o país durante o período de repressão.

Notarfrancesco confia na condenação do ex-ditador à prisão perpétua. “Esta conquista é o resultado de um caminho de luta que construímos há 15 anos, com um trabalho permanente de conscientização de muitos setores da sociedade sobre a importância do julgamento dos repressores”, afirmou.

Principais momentos

Um dos momentos mais significativos dos quase seis meses de audiências foi a declaração do ex-ditador, que pela primeira vez se pronunciou em um tribunal. Nem em 1985, quando foi condenado à prisão perpétua por numerosos crimes contra a humanidade, o ex-general tinha feito o uso da palavra.

Sem demonstrar indícios de emoção, Videla assumiu plena responsabilidade pela repressão promovida durante seu governo: “Reitero e assumo minhas responsabilidades em todas as ações realizadas pelo exército na guerra interna contra os subversivos”, disse ele, acrescentando ainda que seus “subordinados se limitaram a cumprir” suas ordens.

Outra etapa do processo que marcou tanto testemunhas como querelantes foi a inspeção ocular à unidade penitenciária onde estavam presas as vítimas em questão, realizada em novembro, para situar os fatos nos espaços do edifício. Durante a visita, duas testemunhas colaboraram com detalhes sobre dois crimes ocorridos no local.

Rosário Rodríguez Balustra, uma das querelantes do julgamento, pelo assassinato de seu marido, Pablo Alberto Balustra, contou que um dos momentos mais dolorosos da inspeção foi quando testemunhas descreveram o assassinato de René Moukarzel, cujos braços e pernas foram amarrados em estacas na noite mais fria de 1976. Ele passou horas de tormentos, tendo o corpo queimado com cigarros e molhado com baldes de água fria, entre outras agressões.

Para Claudio Orosz, advogado da associação de Familiares de Desaparecidos e Presos por Razões Políticas e da organização H.I.J.O.S., representante de algumas das famílias querelantes, uma das audiências mais críticas foi quando esperavam um testemunho por teleconferência da Itália. “Esta testemunha se refugiou inicialmente no Brasil e com a ajuda de Dom Paulo Evaristo Arns, foi elaborado um documento com muitos dados fundamentais para a causa, mas que a testemunha nunca ratificou. Confirmar esta declaração, como terminou acontecendo, era muito importante”, revelou.

Outro momento de destaque foi quando o ex-cabo do exército, Miguel Angel Pérez, um dos acusados, pediu perdão por ter “arruinado a vida” da família de Raúl “Paco” Bauducco, assassinado com um tiro na cabeça. “Somente a eles eu devo explicações”, afirmou o ex-militar.

Segundo ele, na época, seus superiores o obrigaram a declarar que o crime ocorreu devido a uma tentativa de roubo de sua arma. “Era a primeira vez que eu tinha ‘terroristas’ tão perto. Depois, soube que se tratava de presos políticos. Responsabilizo o exército argentino por ter arruinado minha vida quando eu tinha 20 anos, por ter me mandado atuar na prisão quando eu não tinha preparação”, relatou em uma audiência.

Repressores

Videla, hoje com 84 anos, deverá ser condenado pela primeira vez desde 1985, quando recebeu a pena de prisão perpétua por homicídios qualificados, 504 privações ilegais de liberdade, torturas, roubos agravados, falsidade ideológica de documentos públicos, usurpações, extorsões, roubo de menores, entre outros crimes contra a humanidade.

O ex-ditador cumpriu, no entanto, apenas cinco anos consecutivos de pena, seguidos por voltas intermitentes à prisão, devido aos benefícios dos indultos de 1990 do então presidente Carlos Menem, que mediante decretos determinou sua liberdade e direitos de prisão domiciliar após sua volta à cadeia em 1998.

Em 2003, o Tribunal Territorial de Nuremberg solicitou sua extradição para a Alemanha, pelo homicídio da alemã Elisabeth Kaesemann na Argentina em 1977. Pela falta de provas, o pedido foi negado. Em 2009, a causa de Nuremberg foi reaberta após a aparição do cadáver do alemão Thomas Stawowiok na Argentina.

Apesar do pedido dos querelantes de que seja condenado à prisão comum, Videla deve cumprir qualquer pena em prisão domiciliar, como garante a lei para réus com idade superior a 70 anos.

Já o réu Luciano Benjamín Menéndez foi o mandante das atividades militares em 10 províncias do noroeste argentino entre 1975 e 1979. Segundo testemunhos, supervisou e dirigiu pessoalmente torturas e fuzilamentos executados nos centros clandestinos de detenção desta área.

Em 1988, foi processado por quatro roubos de bebês, 47 casos de homicídio, 76 de torturas, sendo quatro deles seguidos de morte. Chegou a ficar na prisão por alguns dias, mas terminou beneficiado pela Lei de Ponto Final, que estabelecia um limite para o desfecho da causa, e pelos indultos de Menem.

Menéndez está preso desde julho de 2008 e, se concretizada a condenação, deve bater um recorde e acumular sua quinta prisão perpétua. Devido às precárias condições de saúde, o ex-militar passa períodos intermitentes na cadeia, revezando-se entre o hospital militar e a residência de um de seus filhos.

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