segunda-feira, 1 de novembro de 2010

RETRATO DE UM PINGUIM

RIO - Na Casa Branca, em julho de 2003, na primeira viagem de Nestor Kirchner aos Estados Unidos como presidente da Argentina, o presidente Bush lhe perguntou se devia considera-lo um esquerdista.

- “Yo soy peronista”.

“O ultimo peronista”, define-o o jornalista Walter Cúria, editor de politica do jornal “El Clarin”, em um livro que pintou um retrato forte, sem rodeios e sem retoques, de Nestor Carlos Kirchner, escrito por um adversário feroz, de um jornal cheio de ferozes interesses : - “El Ultimo Peronista – La Cara Oculta de Kirchner” (Editora Sudamericana).

Ele tinha 5 anos (nasceu em 25 de fevereiro de 1950, em Gallegos, provincia de Santa Cruz, extremo sul da Argentina, lá na Patagônia, perto da Terra do Fogo) quando Perón fez seu ultimo e historico discurso da segunda presidencia, no balcão da Casa Rosada, em agosto de 55, como, por incrível coincidencia, eu relembrava quinta feira, porque estava lá.

ARGENTINA

Meio século depois, em 2003, Kirchner se elegia presidente. Os vários e brutais golpes e ditaduras militares fizeram do peronismo sinônimo de nacionalismo. “Plaza de Mayo”: de frente, a Casa Rosada, o governo. De um lado, a Catedral, a igreja. No fundo, “La Prensa”, a imprensa. E o resto, todos os outros edifícios, absolutamente todos, bancos. Estrangeiros. Está aí a explicação para a “tragédia argentina” e a invencibilidade de Kirchner. Ele enfrentou e derrotou os bancos e os banqueiros.

Em 2002, a bela, rica, poderosa, orgulhosa terra de San Martin e de Buenos Ayres, a Paris das Américas, que se havia entregue, de joelhos, à desbragada agiotagem do sistema financeiro internacional, faliu. Até os irmãos mais pobres da América Latina acabamos chorando junto com ela.

KIRCHNER

Em 2007, das escadarias exaustas da Casa Rosada, na heróica Plaza de Mayo de San Martin e das mães desesperadas com os filhos mortos pela ditadura militar, eu olhava o povo passando e via como um governo muda um pais. Mas para isso é preciso ter um presidente realmente Presidente.

É uma historia de ontem, de há muito pouco tempo, apenas sete anos, que no entanto já parece um velho pesadelo de muitos anos atrás. A Argentina falida ressurgiu do buraco em que a enfiaram os mesmos especuladores internacionais, aliados aos vendilhões internos, que insistiam em impor a mesma receita para os demais paises do continente.

Nem é preciso buscar os surpreendentes números econômicos, financeiros e sociais da Argentina de hoje. Basta ir às ruas com olhos de ver, como ensina a Bíblia, falar com o povo e comparar 2010 com 2002.

DIVIDA

Qual foi o milagre? Com seus olhos vesgos, o rosto como esculpido em bloco de neve e o andar desajeitado de pinguim, Kirchner explicava :

- “A Argentina da crise ficou para trás. É hora de atingirmos a maioridade. Não tenhamos medo. Este pais sempre será latino-americanista, independente, plural. Não negociamos nossa divida (US$6,5 bilhões) como queria o Clube de Paris” (bancos de 19 paises credores).

Kirchner propôs e impôs tres anos de carencia e dez para pagar, com taxa de 6,5% ao ano. Reduziu a divida em 75%. Só devia 25%. O resto eram juros sobre juros, roubo. Os bancos acabaram cedendo. E ele pagou.

E a Argentina cresceu nestes sete anos a taxas de 8% a 10%.

VESGO
Quem via o desengonçado de agora não imagina que tinha sido pior:

1. – “Óculos grossos para corrigir o estrabismo, resultado de uma crise de tosse convulsa que o afetou por contagio, aos sete anos, desde essa época lhe apareceram tambem os primeiros problemas dentários, que o acompanhariam sempre, e as dificuldades de dicção, produto de uma perfuração congenita do paladar, conhecida como paladar fissurado”.

2. – “Teve que repetir o quarto ano de estudos e foi vetado para o magistério pelas dificuldades de dicção. Jeitão descuidado, cabelos longos, óculos de fundo de garrafa, sofria de sonambolismo : gritava gols do Racing parado ao lado da cama, e varias vezes foram busca-lo na rua”.

“EL PINGUINO”

Na Universidade, estudando Direito em La Plata, bem distante de sua Patagonia, descobriu a politica na FURN (Federação Universitária da Revolução Nacional) contra a ditadura militar.A maioria dos companheiros de geração saiu da FURN para ao luta armada dos Montoneros e morreu.

Preso, solto, formado, para trabalhar teve que voltar para Santa Cruz. Em 87, acabada a ditadura, foi eleito prefeito da capital, Gallegos. Em 91, governador da Província, onde ficou 12 anos, duas vezes reeleito, com “administrações revolucionarias”. E Menem faliu a Argentina.

Em 2003, foram lá buscar “El Pingüino” “para salvar a Argentina.

BUSH

Na ONU, recebendo uma delegação argentina, Bush abriu a conversa :

- Como é que foi isso? Quantos dos que estão aqui estiveram presos?

- Todos, respondeu a senadora Cristina Kirchner.

Estavam ali Kirchner o presidente, a senadora Cristina, o chanceler Rafael Bielsa, o secretário (ministro) da Justiça, Carlos Zanini, outros.

- Eu também, mas por dirigir bêbado - disse Bush, numa gargalhada.

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