sexta-feira, 8 de abril de 2011

Bradesco só detém 21% das ações, mas mandava na Vale do Rio Doce

Pedro do Coutto

Reportagem excelente de Valdo Cruz e Pedro Soares, Folha de São Paulo de quarta-feira 6, sobre a mudança de comando na antiga Vale do Rio Doce, agora só Vale, revelou em profundidade o processo brasileiro de desestatização desencadeado pelo governo Fernando Henrique.

A privatização em 97 foi financiada com dinheiro estatal, como era de prever, capaz de conduzir o Bradesco, só com a participação de 21,2% das ações ao comando da empresa. A larga maioria do capital pertence aos Fundos de Pensão (das estatais), convergência de recursos públicos, de fato, coordenada pela Previ, sistema de aposentadoria complementar do Banco do Brasil. A Litel, que reune fundos de seguridade adicional das empresas de telecomunicação, tem participação expressiva. O BNDES, estatal, através da BNDESPAR, sua ponte no campo dos investimentos, é proprietário de 11,5% do universo acionário.

O grupo japonês Mitsui, internacionalmente forte, é dono de 18,3% das ações. Existem também créditos do Tesouro e do próprio BNDES dentro das correntes que movimentam o Bradespar e o Mitsui. A matéria da FSP deixa claro, portanto, que a privatização parcial da hoje maior mineradora do mundo foi financiada com recursos do Estado, seja de forma direta (BNDES) ou indireta, via Fundos de Pensão, os quais, na realidade são estatais.

Foram criados para garantir previdência social complementar a seus servidores, uma vez que a média dos salários supera, de muito, o teto pago pelo INSS. Para se ter uma ideia, esse teto, hoje, é de apenas 3 mil e 669 reais. Como um engenheiro, por exemplo, cujos vencimentos são em torno de 9 mil reais poderia se aposentar? Só pelo INSS impossível. Ninguém pode sobreviver sofrendo um corte salarial dessa dimensão.

Percebendo tal problema, que inclusive impediria a renovação de seus quadros, ao longo dos últimos 50 anos as empresas estatais foram criando fundos complementares de aposentadoria. Dois terços da contribuição mensal cabiam às empresas, um terço aos empregados. Para as empresas não faz grande diferença, uma vez que, pela lei, teriam que contribuir para o INSS com 22% sobre as folhas de salário, sem limite.

Os fundos, então como a Previ (Banco do Brasil, o maior de todos), Petros (Petrobrás), Funcef (Caixa Econômica Federal), além de outros, foram acumulando saldos que teriam que ser aplicados no mercado para escapar das taxas inflacionárias que desabavam sobre a cabeça de todos. E do país. Foram assim se capitalizando e tornando uma potência dentro da economia nacional. A ideia foi tão boa que, hoje, as empresas privadas de médio porte para cima possuem e operam fundos de aposentadoria complementar. A própria Vale, por intermédio da Valeprev.

Inegável, sob qualquer aspecto, o êxito da administração de Roger Agnelli, um alto executivo do Bradesco, perfil como aliás o cargo requer. Mas por motivos conhecidos e também por motivos ainda desconhecidos, desgastou-se com o governo. O governo detém praticamente 61% do capital da empresa, como mostraram Valdo Cruz e Pedro Soares. Em artigo recente, aqui, afirmei que o Estado é o início e o fim de tudo o que ocorre na economia. Se é assim em tese, no caso brasileiro quanto mais na prática?

Com a fração de 21,2 pontos o Bradesco não poderia sequer pensar num combate contra o Palácio do Planalto. Sobretudo porque privatizada foi apenas a administração da Vale que, em 2010, apresentou um lucro líquido de 30,1 bilhões de reais. Não a empresa em si. Esta continua sendo amplamente estatal. Como os fatos agora, em torno da mudança de seu comando, não deixam dúvida. Vargas a estatizou em 42. Era a Itabira Iron, do grupo Farquar. Continua pertencendo ao Estado.

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