quarta-feira, 1 de junho de 2011

CONDENAR A CORRUPÇÃO PELA QUESTÃO MORAL É UMA GRANDE ILUSÃO E ESSE ENGANO POUCO AJUDA A COMBATÊ-LA

educação política

A corrupção tão presente nas democracias modernas é muitas vezes vista por nós, seus críticos, como um problema moral, ético. É comum pensarmos que o sujeito, seja político, empresário, trabalhador ou funcionário público, apropria-se do dinheiro alheio ou do dinheiro público porque não tem caráter, ou seja, é um ladrão, corrupto, desonesto, sem vergonha. Quando nos referimos assim aos políticos, por exemplo, estamos colocando a questão da corrupção no âmbito da moralidade.

É dessa forma que muitas vezes somos levados a pensar quando reportagens jornalísticas mostram um cidadão (gari, taxista etc) que encontra uma grande soma de dinheiro e devolve ao dono. A atitude do cidadão que devolve o dinheiro nos expõe de forma tão evidente que a corrupção é uma questão moral quanto quando olhamos para o sol e imaginamos que ele gira em torno da terra.

Condenar a corrupção no aspecto moral é uma ilusão, um grande engano e que ajuda pouco no combate a esse grave problema das democracias contemporâneas.

A moralidade é uma pequena parte do problema, que muitas vezes tomamos pelo todo. Isso porque a corrupção é mais profunda e se revela mais como um problema humano, inerente ao homem, que com certeza envolve uma infinidade de aspectos além do moral. É por isso, inegavelmente, que desde a bíblia, reproduzimos a expressão: “atire a primeira pedra quem nunca pecou”, ou seja, quem reproduz essa frase acredita que é muito possível que todo mundo, em algum momento, cometeu alguma deslize, alguma atitude desprezível na vida.

E é esta natureza humana que permite aos corruptos dormirem tranquilos, cuidarem dos seus filhos e continuarem a fazer falcatruas. Ele justifica sua consciência com frase do tipo: “se eu não fizer, outro faz” ou “todo mundo tem o rabo preso”, “todo homem tem seu preço”. Ou seja: atire a primeira pedra…

Em um texto intitulado “O que os professores e os lutadores de sumô têm em comum?”, Steven Levitt, economista norte-americano, desvenda estatisticamente a natureza da corrupção e pergunta em certo momento: “Quem trapaceia? Ora, praticamente todo mundo, se a oportunidade for propícia. Você pode dizer a si mesmo: “eu não, seja qual for a situação”. Depois, talvez se lembre de quando trapaceou, digamos, no jogo de damas. (Freakonomics, Editora Elsevier, 2005). Alguém acredita que há um local mais propício para a corrupção que a administração pública? Da mesma forma, Espinoza já alertava que a cidade que depende de um governante honesto está perdida.

Todos estamos sujeitos à corrupção porque ela está inscrita na própria natureza humana. Mas não precisamos ser deterministas como os corruptos praticantes que, para ter paz de consciência, a justificam como inexorável. A habilidade ao esporte também é algo humano, mas nem todos os humanos praticam esporte. A habilidade para o aprendizado é humana, mas nem todos gostam de aprender. A corrupção é algo humano, mas nem todos querem isso como sua prática constante e inelutável.
Há também nos humanos a habilidade da racionalidade, que nos permite criar soluções para, por exemplo, combater a corrupção. A partir do momento que temos conhecimento de que a corrupção não é um problema moral, mas humano, pode-se construir mecanismos mais eficientes de combate a esse problema.

A corrupção se expressa de forma mais evidente nas democracias contemporâneas. Claro, nos estados autoritários ou monárquicos não há a res pública, a coisa pública. Há uma mistura entre o privado e o público e, por isso, o benefício pessoal, de grupos e amigos é algo legal. Nas democracias contemporâneas, essa relação se manifesta na corrupção. Ela é uma espécie de efeito colateral das democracias, mas que pode ser combatido.

Se a corrupção é humana e não um problema moral, então todos os que chegam aos cargos públicos são potencialmente corruptos. E muitos desenvolverão essa potencialidade. Então precisamos de mecanismos muito rigorosos, transparentes e duros com relação ao dinheiro público. Temos de dar total transparência às contas públicas. Ou seja, precisamos de mecanismos de combate a corrupção no poder público que tome como princípio que todos os administradores são corruptos, ainda que tenhamos a sorte de eleger eventualmente um sujeito honesto.

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